12 outubro, 2015

bucólicas i


tráfego lento: a tarde num ônibus
lentamente uma jovem trança os cabelos

ao terminar penderão ali tranças duas
seu sobre o pescoço perfeitamente
assimétricas

os carros se movem
e assisto à jovem que faz
entre um brotar e outro ponto
os gomos de suas tranças

impropriedade

das mãos os curtos atados dedos
às gordas palmas e costas gordas
também das mãos fazem lembrar
de uma criança

tão tenros dedos quase invisíveis
entre os fios que os quase soterram
trançam como quem tece
as tecelãs que jamais vi

o algodão das malhas de minhas vestes
terá sabido o que são dedos
entre seus finos fios
da carne sentido o doce toque
contraponto ao aço rude
que o desfia
o rude aço que desconheço

das gordas mãos costas e palmas
calejadas parecem
d'infinitas picadas de agulhas ausentes
a mão que trançando borda
as bordadeiras fantásticas que ignoro

e como bordam
trançam
fazem pensar até
se na fúria de Palas não tem
também piolhos mitológio gene

fazem ecoar um verso de Ovídio
"... et antiquas exercet aranea telas."

impropriedade

mas vejo ainda nas sonhadas marcas
dessa mão robusta
transfigurar-se a dor feliz do aprendizado
em morte e morte apenas

as máquinas de hoje não toleram erros

quereria que cantasse uma cantiga triste
mas esse tom é de há muito
perdido
a nota que ouça
será somente e tão somente
o rude aço que conheço

no ônibus
transportado por minhas visões
da moça uma freada brusca
quase derruba-me

. . . . . . . . . . . . .

recomponho-me

e qual não foi o espanto
ao perceber que pronta
desmanchara uma das tranças

recomeçava sempre lentamente
o seu trabalho

mas chego ao ponto
em que sou obrigado
a descer ignorante
do desfecho de minha fantasia

por sorte encontro
aos pés do último degrau
a sombra de uma árvore e os podres
gomos de uma laranja
a trança finda

impropriedade

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