04 maio, 2018

Ciclo de vida de um amor

 
"Moi, je n'aime plus rien,
Ni l'homme, ni la femme,
Ni mon corps, ni mon âme,
Pas même mes vieux chien.
Allez dire qu'on creuse,
Sous le pâle gazon,
Une fosse sans nom.
Hélas! j'ai dans le coeur une tristesse affreuse."
Théophile Gautier

Caio na confissão. Talvez nenhum destes poemas tenha, em si, valor poético -- talvez sejam mero exercício psicanalítico de sublimação... O afeto que os moveu, contudo, foi real, é real, e, como um todo, sinto que estes versos dizem muito sobre o amor, em suas fases; ainda mais sobre o amor não-concretizado, o amor-sonho-de-amar -- aquele que se vê imediatamente um passo atrás da realização.
Já Luíza d'Albanera, é claro, não existe como tal. Talvez possua um correlato material ou seja índice de vários deles; no caso, Luíza pode ter sido uma mulher, ou várias, em minha vida, ou ainda nenhuma. Mesmo assim, seu nome só consta em dois dos poemas. Por quê? Porque talvez ela só tenha sido sujeito ou interlocutor nesses dois, o dos outros muda -- o amor, eu, meu amor. Quem é o sujeito de amar? O amante, o amor ou o amado? Amei Luíza ou o meu amor por Luíza? Amar, verbo intransitivo? Com "quens" o amor dialoga? Não sei.

Ai, Luíza d'Albanera,
Serei o quê, quando queiras,
O que quiseres de mim.
E espero. Pois quando vim
Ter-te, nós, comigo a sós,
Beijaste-me só co'a voz.
__
De início, há sempre a disposição de amar, quando se ama. Ama-se mesmo o obstáculo que se imponha ao amor, mesmo ele é recebido como algo vindo em nosso favor, e não contra nós -- parece-nos que ter o que vencer fará do amor, em seu triunfo, um bem mais poderoso. Mas beijo da voz não é o beijo, é o beijo negado; e como ele parece etéreo e maravilhoso, nesse ponto!... prontifica para o desenrolar-se em beijo de carne, beijo real. Mas esse devir é ilusório. A realidade é que o amor é sempre muito fraco.

Àquele que não vê, nos olhos de Luíza,
beleza indiferente à distorção das lentes
dos óculos qu'ela usa -- não porque precisa,
mas porque, assim, afirma a distância entre as gentes

e as retinas -- transpor a dobradura lisa
do vidro não será possível. E é somente
vidro a barreira a ser transposta e que divisa
o espaço que o olhar, com gentileza, vence.

Olhar-aceno. Assente ao vir; aos corpos-longe,
convite a aproximarem-se; ao que se esconde,
a vir à tona. Eu cedo a ele. Decidido,

minhas mãos correm perto às mãos dela; elas buscam
o toque, a flor-da-pele, as flores que me frustram:
quando ao fim do caminho, ah! já prestes -- há vidro.
__
Os obstáculos finalmente se impõem. Não vivemos tempos de amor (um soneto, meu Deus?!). Talvez esse tempo de amar nunca tenha chegado de fato à humanidade: o amor segue sendo a exceção, algo que vemos como achado; um ser que sempre louvamos na sua raridade, afirmando assim a própria raridade do ser. A vitória do amor deve ser celebrada exatamente porque não é banal, ao contrário da guerra. Quem saberá não ser essa a explicação para o imbricamento entre amor e batalha, amor e morte, tão frequente na lírica amorosa? Emprestar ao amor um pouco da ubiquidade da violência, torná-lo mais próximo de nós, em fundindo-o com algo mais comum. Chega a vexar que amor e guerra inspirem tanto medo; a uma já nos devíamos ter habituado, pois, infelizmente, caminhou sempre ao lado de nós; o outro não nos deveria assustar, por tão distante: ter medo de amar verdadeiramente é como temer morrer atropelado dentro de casa -- e o medo de amar é a maior porta de entrada para o fracasso amoroso.

Desiludido

Todo aquele vidro, ao quebrar-se,
Fez somente disparar o alarme
De incêndios: um banho de águas frias.
__
Mas se o amor esbanja fraqueza, esbanja também algo mais irritante: persistência. Fosse considerado doença, seria como a dor crônica -- sem explicação, sem cura, terrível e intermitente. Toda forma de lidar com ele, quando assoma, tem um quê de pseudociência: fé cega, homeopatia, acupuntura, trabalho e outros tantos placebos -- às vezes com resultados, mas sempre sem poder. O poder do amor está em amar e só -- ele é o fim, a morte do poder, ou melhor: onde há poder, lá o amor míngua.

Como as princesas dos contos,
O meu amor adormece
Sem saber -- se esse seu sono
É de morte ou só parece --
Se algum dia um outro beijo
Lhe recobrará o alento --
Se me ouvirá Deus a prece --
Ou se há, nesse sono, sonhos.

Sonhos, sonhos ao menos...
__
E qual seria o pesadelo desse amor dormente?

Nenhum comentário:

Postar um comentário